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Que Tipo de Ação Eu Procuro – Parte I
O primeiro passo para filtrar ações que geram grandes retornos.
Caro(a) assinante,
Nesta manhã fria porém agradável, eu gostaria de falar sobre que tipo de negócio eu procuro como um investidor concentrado.
Antes de começar, eu quero lembrar que investir SEMPRE começa pela eliminação de riscos óbvios como dívida alta ou problemas de governança corporativa, entre outros.
Porém, o foco hoje será examinar os dois filtros iniciais que aplico para selecionar negócios extraordinários, após a eliminação dos riscos óbvios.
O que procuro, SEMPRE nesta ordem, são:
(1) Empresas com modelos de negócios altamente lucrativos que priorizam o reinvestimento de seus lucros no modelo de negócio já comprovado, e;
(2) Que estejam sendo vendidas a um preço justo – preferencialmente, a um desconto.
Nesta edição, falaremos sobre a primeira característica. Mas o que seriam exatamente “negócios altamente lucrativos”?
São negócios que obtém lucros CONSIDERAVELMENTE acima do custo de oportunidade (ou custo de capital, se você preferir) de cada dólar investido.
Na prática, isso significa empresas com um alto Retorno sobre o Capital Empregado (ROCE.)
Vamos lá, a gente pode pegar como exemplo uma das empresas que sigo de perto, a Capcom – desenvolvedora japonesa de jogos.
Nos últimos cinco anos, a empresa mantém um ROCE médio de 94%!
Não, isso não é um erro de digitação.
Isso significa que, nos últimos cinco anos, a Capcom tirou US$ 1.94 (94 centavos de lucro operacional) para cada US$ 1 investido no negócio, antes dos impostos e pagamento de dívidas – que são ínfimas.
Espetacular, não? Os 15% de retorno em reais da atual taxa Selic parecem mínimos comparados a um retorno de 94%, ainda mais em moeda forte.
Eu verifico a situação da Capcom mais de perto e vejo que ela retornou apenas 0.6% de seu valor de mercado, em média, anualmente a acionistas neste período.
A Capcom preferiu utilizar esses lucros para aumentar sua capacidade de produção de jogos – através da realização de duas aquisições pontuais de estúdios especializados na área de animações e gráficos – e da construção de um novo prédio comercial em Osaka.
Perfeito.
Como eu disse no começo desta edição, eu não estou procurando apenas por negócios altamente lucrativos, eu estou procurando por negócios altamente lucrativos que continuem REINVESTINDO seus lucros.
Investidores de dividendos acenderiam o alerta vermelho aqui. Eles retrucariam:
“Como você pode aceitar que uma empresa que lucrou tanto neste período pague apenas uma merreca anualmente a acionistas? Isso é um mau sinal, não?”
Na verdade, é o oposto – isso é um excelente sinal.
Estamos falando de uma empresa que teve um ROCE médio de 94% nos últimos cinco anos.
Se ela me devolver todo o lucro em forma de dividendos, onde conseguirei 94% de retorno anual sobre o meu dinheiro em moeda forte?
Veja, a própria S&P 500 rendeu “apenas” 12.5% anualmente na última década de bull market.
Logo, a empresa está fazendo um trabalho de multiplicar cada dólar investido muitas vezes melhor do que eu seria capaz de fazer caso o dinheiro voltasse para a minha mão.
(Aliás, este é o mesmo motivo por que a Berkshire de Warren Buffett jamais pagou dividendos.)
Como investidor de uma empresa como a Capcom, eu quero mais é que a empresa nunca pense em pagar um centavo de dividendos ENQUANTO houver boas oportunidades de reinvestimento.
Eu defino “boas oportunidades de investimentos” como oportunidades em que o lucro esteja confortavelmente acima do custo de oportunidade do capital investido.
Isso faz sentido para você?
Eu não me importo se o Lucro Operacional da Capcom ou de qualquer negócio estiver crescendo menos do que deveria no curto ou até no médio prazo (por causa de despesas maiores com P&D, marketing, etc.), desde que tais despesas criem “pelo menos 1 dólar de valor de mercado para cada 1 dólar retido”3 no longo prazo.
Preste atenção na última palavra do parágrafo acima: longo-prazo.
Eu estou procurando por empresas com uma demanda quase incessável pelos seus produtos ou serviços que estejam sacrificando uma parte do hoje para satisfazer uma maior parcela desta demanda no futuro.
Isso é mais do que uma questão de investimento, é uma questão de microeconomia – sabe por que o sacrifício do hoje é necessário e efetivo?
Porque a produção de capital requer TEMPO.
Imagine o dono de uma lojinha pequena, mas extremamente popular, que vive com filas de clientes, o dono tem duas opções:
1 – Ou pega o lucro total da lojinha e paga a si próprio para gastar em algo como um carro zero para impressionar seus vizinhos.
2 – Ou tira o mínimo necessário para as suas contas e economiza o resto para expandir as dependências da lojinha ou abrir uma segunda filial — o que num futuro não tão distante lhe fará lucrar muitas vezes mais do que agora.
O aluguel e a reforma de um imóvel comercial, além da contratação de novos funcionários e a compra de estoque requerem tempo e dinheiro.
Você não pode atender uma demanda maior com um passe de mágica.
Quando o dono da lojinha abre mão de ter um belo carro zero agora, e vive temporariamente abaixo de seus meios, ele está plantando as sementes para ficar rico no futuro.
Quando você utiliza esta mesma perspectiva para analisar os negócios da bolsa, você deve entender a minha preferência por negócios com alto ROCE que estejam focando no aumento do capital investido em vez de dividendos ou recompras.
Espero que sim.
É óbvio que o investidor terá que ir muito além do ROCE, mas aqui está um ótimo ponto de partida e um modelo mental eficaz para guiar a sua busca por boas ações.
Mas, como disse Chris Bloomstran, presidente e diretor de investimentos da Semper Augustus:
“Grandes negócios a preços errados se tornam péssimos investimentos.”
Na Parte II desta série, vamos explorar exatamente isso: como o preço que você paga faz TODA a diferença.
Atenciosamente,
Laerthe Côrtes
1 Lucro operacional antes de gastos com juros e impostos.
2 Todos os recursos financeiros aplicados nas operações principais da empresa, excluindo itens não operacionais
3 Warren Buffett expressou o seguinte em uma de suas cartas anuais aos acionistas: “Nossos acionistas são sócios que pagam impostos. Por isso, tratamos os lucros não distribuídos como se fossem deles. Só retemos lucros quando acreditamos poder criar pelo menos 1 dólar de valor de mercado para cada 1 dólar retido. Caso contrário, deveríamos distribuí-lo.”